11 de abril de 2009

Os Teus Olhos Pretos

Era uma vez um rapaz. Isto não seria nenhuma história se não houvesse também uma rapariga. E para além destes dois havia ainda, como em todas as histórias reais ou fictícias, o resto do mundo. Girando no seu eixo, indiferente às nossas duas personagens, por isso também indiferente a esta história. A sua irrelevância só é quebrada pelo facto de ser este a proporcionar o encontro entre o rapaz e a rapariga. Muitos chamar-lhe-iam coincidência, outros destino, as nossas personagens chamaram-lhe atracção.
- Adoro os teus olhos pretos. São diferentes, eu gosto de tudo o que é diferente - diz a rapariga com um sorriso nos lábios, olhando os olhos do rapaz a escassos centímetros.

E tudo parecia perfeito, até à fracção de segundo antes dela acabar esta mesma frase, no qual todos os neurónios da cabeça do rapaz gritavam: mas os meus olhos não são pretos! E no entanto, apesar de saber que não o eram, não o desmentiu, limitou-se a sorrir também, aceitando aquela perfeição fingida que ela lhe oferecera.
No dia seguinte o sol entra pela janela, penetra pelas cortinas, ele acorda, e a primeira coisa que faz é olhar-se nos olhos ao espelho:
- De facto não são pretos - murmura.

Embora lá no fundo houvesse sempre uma vozinha a repetir estas mesmas palavras que ele próprio acabara de proferir, a cada dia que passa a voz parecia falar mais baixo, o rapaz convence-se cada vez mais de que talvez os seus olhos fossem mesmo negros.
Chegaram os dias em que a voz já não se ouvia na cabeça dele, ele era feliz agora que tinha olhos pretos. Não é que a nova cor dos seus olhos o fizesse feliz, mas antes o ter outra pessoa que os adorava assim.

E ficaram os dois juntos. Até que um dia, numa manhã idêntica a todas as outras em que o sol entrava pelas cortinas daquele quarto acordando as duas pessoas que se escondiam debaixo dos lençóis, os olhares de ambos cruzaram-se. Ela ficou com um ar surpreendido olhando fixamente os olhos do rapaz. Quem visse poderia pensar que o corpo da rapariga ficou petrificado, e seria verdade se tomássemos como excepção a sua boca, da qual, com dificuldade, saem as seguintes palavras:
- Mas os teus olhos não são pretos...

O rapaz ficou sem jeito, as suas faces ficaram anormalmente rosadas. Ele olha desesperadamente para o fundo do quarto evitando olhar para ela, como que a querer esconder a sua vergonha, escondeu também as palavras, talvez com medo. Medo de se envergonhar mais? Medo de dizer algo que não devia? Medo de não ser compreendido? Medo da reacção dela? Medo que ela o aceitasse assim? quem sabe...

O que é certo é que no final, a história acaba, e se antes tínhamos duas personagens, agora temos apenas um rapaz, não o mesmo com que começámos, temos outro, diferente, magoado, outrora feliz, que olha com os seus olhos castanhos escuros para o passado e depois para o mundo e vê a rapariga tornar-se como este último, indiferente (mas não irrelevante).

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